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Entrevista a Pedro Seromenho


No passado dia 9 de outubro, nós, os alunos do 8ºA entrevistámos o escritor / ilustrador Pedro Seromenho. Transcrevemos essa conversação que durou mais de 40 minutos…



- Quando começou a gostar de escrever?


A escrita surgiu através da leitura dos livros que eu gostava de ler, através das histórias que me faziam viajar e, através delas, comecei a inspirar-me nas aventuras e a escrevê-las à minha maneira. Acho que é o que acontece com qualquer um. Só aos 30 anos é que peguei nessas histórias e decidi publicá-las e começar a seguir este percurso como escritor e ilustrador.


- Dedica o seu tempo inteiro à escrita?


Neste momento dedico o meu tempo à escrita e à ilustração, viajo pelo país a fazer sessões como esta. A semana passada estive em Bragança, esta semana estou aqui em Lisboa e depois sigo para Covilhã e Coimbra... É uma viagem dentro e fora dos livros.


- Não se cansa?


Às vezes tenho saudades da família e dos meus amigos, mas estou a fazer por paixão e isso é um privilégio hoje em dia. Posso fazer o que gosto, partilhar o meu entusiasmo para os mais pequenos e destas viagens também tiro muitas ideias que acabam por ser mais uma fonte de inspiração.


- O que o levou a abandonar a economia os números, as gravatas, o “homem serio de negócios” como dizia o Principezinho, para a substituir pela escrita de livros infantis?


Era um sonho desde menino pois sempre gostei muito de desenhar e de escrever, mas tinha esse mundo adormecido, não me sentia feliz no mundo dos números então mais cedo ou mais tarde tive que imergir para conseguir respirar, deixar de viver num mundo que me sufocava, não me sentia realizado, sentia-me um peixe fora de água. Agora encontrei o meu caminho e faço as coisas de forma diferente, com outra entrega e com outra dedicação, com mais trabalho. A faceta de economista não está esquecida pois, às vezes, dá-me jeito também ser gestor para gerir a minha carreira.


- Qual foi o livro que o marcou ou com que se identificou mais?


No nosso percurso estamos sempre a evoluir e a transformarmo-nos. Vamos aprendendo e vamos mudando não só a nossa forma de ser e de viver, mas também reflete-se depois na escrita e na ilustração. Assim, a minha ilustração mudou muito ao longo destes doze livros que eu lancei. (…) Eu acho que estamos sempre a crescer e achamos que o próximo vai ser sempre melhor e é isso que também me acontece.

Claro que houve livros marcantes, por exemplo o meu terceiro livro 900 Histórias de um rei, cuja personagem principal é D. Afonso Henriques, foi o meu primeiro livro no Prémio Nacional de leitura e abriu-me outras portas. A partir daí, comecei a cavalgar pelo país como D. Afonso Henriques. Depois, o meu quinto livro Porque é que os animais não conduzem? também me abriu outras portas. Este livro que teve bastante sucesso para os mais pequenos e continua a ter. Gosto muito deste último A cidade que queria viver no campo e das Gravatas do meu pai acho que são livros de ilustração mais madura mesmo a escrita é mais complexa e então faz parte desta caminhada que eu estou a fazer.



- Alguma das suas obras reflete a sua infância?


Sim, a primeira Nascente de tinta fala sobre um menino que recebe um búzio mágico e mergulha até ao mar. Eu morei em Tavira, no Algarve, ate aos 6 anos, tinha um búzio e vivia junto ao mar. Logo, projetei a minha infância na personagem do livro.



- Sabe nos dizer mais alguma história da sua infância que o marcou?


Sim, tenho livros que ainda hoje me acompanham, outros que são clássicos que são livros eternos como O principezinho, depois livros que agora tenho o prazer de conhecer, aprender com eles. Livros esses que são também da velha guarda como o António torrado, Luísa Ducla Soares e, por fim, os livros da Sophia de Mello Breyner.


- Tenciona fazer um livro mais para os adultos?


Este último já foi com essa preocupação pois fala de uma criança que emigra com a família e regressa no final já velhinho. Então retrata esse ciclo da vida: por vezes partimos à procura de um sonho, mas regressamos cheios de saudades. É um livro que é para ser lido às crianças. Já tive essa preocupação e cada vez mais tenho essa ideia de escrever com uma visão alargada das coisas, também com o intuito de “tocar” os adultos. Mas, neste momento, sinto uma tendência, uma necessidade de escrever para os mais pequeninos, talvez porque tenho uma filha de 4 anos e talvez porque comecei a escrever mais para o infantil. Fazem falta livros desse género para a pré… Estou envolvido num projeto de música para bebes, em música infantil. Estou a pensar, talvez, fazer um vídeo com CD.



- Durante a sua infância alguma vez sonhou que queria ser escritor, e que teria o sucesso que está a ter?


Não, nunca imaginei vir a ser escritor. Mesmo quando lancei o primeiro livro aos 30 anos, não foi com o objetivo de o ser...Deixar a economia e apenas dedicar-me aos livros nunca me tinha passado pela cabeça. Foi uma parceria que eu fiz com alguns amigos meus em Braga, que me encorajaram e me disseram que os meus textos e os meus desenhos mereciam ser partilhados, e depois dois amigos: um era livreiro que tinha uma livraria, e o outro fazia feiras de livros nas escolas, disseram-me que eu teria de publicar esse livro e depois iria às escolas e à livraria fazer sessões. E eu comecei a fazer isso, a palavra foi passando e, quando dei conta, já estava a receber solicitações de todo o país e a viajar, cada vez para mais longe.


-E acha que o sucesso vai poder vir a ser mundial?


Não prevejo isso mas...sei que vai acontecer como resultado natural do meu trabalho.

Neste momento, a obra Porque é que é que os animais não conduzem? Vai ser publicado em espanhol e o livro A fuga da ervilha vai ser publicado no Brasil. Logo, é possível que venha a acontecer a outros. Considero que estou a iniciar o meu percurso enquanto escritor pois só tenho 12 livros. Por exemplo, esses autores que eu elogiei: António Mota, António Torrado que têm cento e tal livros, é possível que venha a ter o mesmo sucesso que eles se continuar este trabalho sem pressa de crescer…


-Que autor Português ou estrangeiro gostaria de conhecer? Ou até mesmo escrever com ele?


Há muitos. Hoje em dia há imensos autores que eu admiro. Tenho tido a sorte de me cruzar, de forma natural, com alguns deles pois também não sou muito de ir à procura de… Respeito muito o espaço das pessoas e a privacidade, mas com tantas sessões aqui e acolá, vou tendo o privilégio de poder almoçar com o António Torrado em Barcelos, jantar na Guarda com o António Mota, lanchar com a Luísa Ducla Soares na Trofa, com o Valter Hugo Maia ou com Délio Peixoto etc. A nível de ilustradores, também tenho conhecido muitos, não só por causa das sessões nas escolas, como também porque eu organizo encontros de ilustradores em Braga. Vai haver agora um em Novembro onde estarão perto de 25 a 30 ilustradores que eu mesmo convidei.


-Estrangeiros…


Ah sim, estrangeiros há muitos, o último que conheci foi o David Machado, com o qual já me tinha cruzado numa série de escolas mas nunca tínhamos falado. Conheci-o em Óbidos, num festival e depois mais tarde tivemos oportunidade de conversar aqui em Lisboa.


-Tem algum livro preferido de outros escritores?


Tenho vários, nomeadamente, aqueles de que vos falei da minha infância e tenho agora os novos escritores: Afonso Cruz, Ondjaki e Válter Hugo Mãe.

Tenho também outros ilustradores, que não tanto pelo texto mas mais pelo trabalho da ilustração, que aprecio.

Eu sou um comprador obsessivo de literatura infantil, então tenho uma grande biblioteca em casa. Mando vir sempre livros de todas as línguas e de todos os países.

Tenho alguns livros dos quais me orgulho de ter descoberto, traduzido e partilhado com os portugueses, aí já é mais a minha faceta como editor, se calhar.


-E esse seu talento e esse seu gosto pela ilustração também já tem desde criança?


Sim, eu sempre adorei desenhar. Lembro-me de começar muito cedo a desenhar, a pintar e a inventar heróis. Eu gostava muito de banda desenhada, de super heróis e, mais tarde, descobri os pintores, os ilustradores, o Renascimento, o Surrealismo, devorava livros de história da arte e andava sempre com livros.

Assim sendo, não foi apenas a leitura que me influenciou, pois eu andava com livros mais técnicos de desenho, de como desenhar com guaches, aguarelas, óleos e de como aprender a usar as sombras… Costumo dizer que sou autodidata, uma vez que nunca tive cursos de desenhos ou de pinturas e os livros foram os meus professores. Foi através dos livros que comecei a treinar a ver, inclusive, lembro-me de uma vez que houve um ano em que li todas as biografias de todos os pintores, de todos impressionistas e surrealistas. Então pegava nas pinturas, desenhava e tentava imitá-las.


-Todas as suas obras são ilustradas por si?


Não. Dos doze livros que tenho, oito são escritos e ilustrados e os outros são só escritos.


-Uma vez que é ilustrador, também ilustra livros para outras pessoas?


Sim, eu também estou aberto para outros projetos, sendo que normalmente não tenho muito tempo para isso. Eu tenho uma ilustração muito técnica, pormenorizada e que demora muito tempo. Só para vos dar uma noção, este livro demorou quase um ano a ser ilustrado. Neste momento, dada a minha falta de tempo faço apenas trabalhos de ilustração esporádicos. Há pouco tempo a Mafalda ligou-me pedindo para fazer uma ilustração para a Operação Nariz Vermelho, ela falou com vários ilustradores e cada um recebeu um kit com uns lápis e um nariz de palhaço… Fiz um para o livro da Ajudaris, vou fazendo assim projetos, para amigos meus mas, como ilustrador tento concentrar me nos meus projetos e demoro imenso tempo.



-Nas suas ilustrações tem sempre inspiração?


Não. Agora estou a tentar acabar o meu 13º livro que quero lançar antes do Natal. Nele estou a usar uns marcadores especiais de pigmentos de cores e todo ele foi desenhado a lápis e depois fotografado e colorido a digital.


-Alguma vez pensou em desistir?


Desistir, nunca! Estou, cada vez, com mais força, pois vamos aprendendo com os nossos erros. Vejo o futuro um pouco por ai… em vez de estar a viajar, de estar mais com as ilustradoras, desenhar livros e escrever (que é o que eu gosto de fazer) trouxe a minha mala com o livro Rei pássaro que já está todo escrito a lápis. Nele estou a utilizar os pigmentos… só que depois chego ao fim do dia e estou cansado.


- Nem sempre tem energia para fazer isso…


Nem sempre tenho energia…Nem sempre consigo desligar e a disposição é diferente quando se chega a casa contente e a pensar na história. Neste caso, como todas os dias durmo num hotel diferente… a disposição não é a mesma.


-Isso está a dar-lhe inspiração para futuros livros.


Sim, também dá e é um desafio, só que às vezes é cansativo. No final do ano letivo, junho ou maio, já “me sinto de rastos”.


- Demora mais ou menos quanto tempo a ilustrar uma obra?


Pode variar …às vezes nove meses…um ano.


- Imagina-se a fazer outra coisa sem ser em relação à escrita?


Não me vejo noutro mundo a não ser este infantojuvenil e dentro desde universo posso fazer milhentas coisas que nunca fiz antes e gostava de experimentar escrever para teatro infantil …a minha esposa está ligada à Gulbenkian, à música da Gulbenkian e tem projetos de música e CD’s, a trabalhar ao nível de encontros de ilustração, de contar histórias. Posso fazer muitas coisas assim, mas será sempre neste universo infantojuvenil, onde me sinto bem.



- Existe alguém que o inspire não só como escritor mas também como ser humano?


Sim, eu acho que temos sempre referências, normalmente vamos buscá-las às pessoas que nos estão mais próximas. Tive uma educação e uma infância felizes e tanto a minha família como todas as pessoas que vou conhecendo me vão inspirando. Tenho este perfil muito positivo e tento sempre não me desiludir com a espécie humana. Assim, cada pessoa que vejo tem sempre alguma qualidade e alguma virtude, cada um tem uma coisa boa, uma coisa bonita que posso guardar. Por exemplo, dos meus avós guardo muitos ensinamentos e inspirações. Acho que a família é uma grande base, sobretudo nesta minha idade, a partir dos quarenta. Eu estou a sentir isso…

Depois dos trinta, ganhei mais maturidade e existe uma necessidade de estar mais com a família e aí começamos a ter uma noção de que somos finitos, que estamos só de passagem, então começamos a dar mais valor a outras coisas. Pelo menos na minha opinião, o facto de ter sido pai, mostra-me a vida de outra forma e isto para dizer que a vida é uma grande base de apoio, sobretudo para os dias que me correm pior e para os momentos maus. Também é uma fonte emocional, naqueles dias em que te perguntas se terás valor e se valerá a pena continuar. Este é um lado que me dá muita confiança.


- O que nos pode falar sobre o seu novo livro? É mais infantil ou adulto?


Ao nível da ilustração, acho que está muito bonito. Estou ansioso por experimentar a cor, os pigmentos e as texturas. Mas ao nível do texto, que é onde eu começo, eu queria fazer um texto como uma paródia, despretensioso, sem moral. Não tem moral, quer dizer, ter tem. O livro é sobre a vaidade, então, fala de um pássaro que nasce, que acha que nasceu para ser rei e para reinar os outros. Assim, anda de reino em reino a oferecer-se para ser rei. Para vocês perceberem, leio-vos só o primeiro parágrafo que diz: “Aviso-vos já que neste reino, as galinhas têm dentes e os porcos andam de bicicleta, e como se não bastasse, um dia nasceu um pássaro que disse que queria ser rei”. Logo, a partir daí, o leitor já sabe que pode esperar de tudo do texto, que ali pode acontecer de tudo. E depois tem muitos trocadilhos ao longo da obra e o nível da ilustração vai um pouco no registo de As gravatas do meu pai e de A cidade que queria viver no campo.


- Saiu agora o seu novo livro. Poderia falar-nos sobre ele, se é infantil?


Tenho aqui uma ilustração, está a lápis, que é quando ele vai todo vaidoso e tropeça, ele passa a vida a tropeçar e os outros animais riem-se e chamam-lhe de Chicla Mancla, porque ele só tropeça e se levanta. Depois eu achei engraçado, e o que é que eu fiz, o pássaro tem uma coroa e dessa coroa saem os seus pensamentos. Então, paralelamente ao texto, nós podemos ler os seus pensamentos.


- Para futuros escritores e ilustradores que conselhos lhes daria?


Costumo dizer sempre “insistir, insistir, insistir, experimentar se for preciso uma audição de autor, investir no seu talento, acreditar, experimentar os concursos, passatempos, são sempre uma porta aberta”…


- O que dizem os seus olhos?


Dizem que é preciso acreditar, que é preciso sonhar; e depois trabalhar muito, não basta a imaginação, é preciso muita dedicação. Quando temos um sonho desde pequenino de ir percorrer mundos e ultrapassar barreiras e obstáculos para concretizá-lo, temos de ser mesmo persistentes e acreditar. E eu todos os dias luto por isso, às vezes não é fácil porque há dias mais complicados, mas sei que estou no bom caminho; e vou continuar, por isso, estou aqui para ficar.


8ºA In Português

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